Não Me Abandone Jamais (Kazuo Ishiguro) #Resenha


Kathy H. tem 31 anos e está prestes a encerrar sua carreira de cuidadora. Enquanto isso, ela relembra o tempo que passou em Hailsham, um internato inglês que dá grande ênfase às atividades artísticas e conta, entre várias outras amenidades, com bosques, um lago povoado de marrecos, uma horta e gramados impecavelmente aparados. No entanto esse internato idílico esconde uma terrível verdade: todos os alunos de Hailsham são clones, produzidos com a única finalidade de servir de peças de reposição.Assim que atingirem a idade adulta, e depois de cumprido um período como cuidadores, todos terão o mesmo destino - doar seus órgãos até concluir. Embora à primeira vista pareça pertencer ao terreno da ficção científica, o livro de Ishiguro lança mão desses doadores, em tudo e por tudo idênticos a nós, para falar da existência. Pela voz ingênua e contida de Kathy, somos conduzidos até o terreno pantanoso da solidão e da desilusão onde, vez por outra, nos sentimos prestes a atolar.

Nas minhas metas literárias sempre tem: "ler mais livros clássicos" e após o anúncio do vencedor de prêmio NOBEL de Literatura de 2017, decidi que era a hora de me arriscar com Kazuo Ichiguro; se tem uma coisa que gosto de fazer quando escolho uma leitura nova é me arriscar, sair da minha zona de conforto, conhecer novos gêneros, a lição que tiro de tudo isso é que a maioria das experiências foram maravilhosas.


“Porque no fundo não importa quão bem seus guardiões tentem prepará-lo: todas as conversas, todos os vídeos, debates, avisos, nada disso consegue, de fato, deixar as coisas bem claras, transparentes.”

Em "Não Me Abandone Jamais" vamos acompanhar Kathy, que nos é apresentada como "cuidadora" que está prestes a se tornar "doadora". O que realmente significa "cuidar"? Doadores de quê?

Com uma narração em primeira pessoa, um começo meio arrastado e bastante descrito, Kathy vai nos contando, a medida que relembra seu passado, como foi estudar na Hailsham, uma "escola" para futuros doadores, essa escola é um internato um pouco diferente dos outros que tem o mesmo propósito: todos "Guardiães" de Hailsham sabem claramente qual seu papel na “educação" daquelas crianças, se eles concordam com isso ou não, não vem muito ao caso, mas em Hailsham as crianças são incentivadas a produzir e estar em contato com a arte. Com um pouco de mistério, ao longo das memórias da Kathy vamos tomando consciência de que embora aquelas crianças não saibam, elas fazem parte de algo bem especifico.

“Porque no fundo não importa quão bem seus guardiões tentem prepará-lo: todas as conversas, todos os vídeos, debates, avisos, nada disso consegue, de fato, deixar as coisas bem claras, transparentes.”

Enquanto Kathy vai recordando os momentos da infância até a vida adulta, conhecemos Ruth e Tommy que são os melhores amigos dela; com uma escrita simples (o que me surpreendeu, porque a mochilinha do meu preconceito tinha me feito acreditar que todos os vencedores do prêmio seriam "difícil de ler") e de uma maneira indireta, o autor vai nos levantado questionamentos éticos que vão continuar conosco mesmo depois de terminar o livro.

“A intenção dele, talvez – durante as noites insones devido aos remédios, à dor e à exaustão – era tornar indistintos os contornos que separavam as minhas memórias das suas. Só então compreendi, compreendi de fato, quanta sorte tivéramos – Tommy, Ruth, eu, na verdade todos nós.”

Não posso contar muito das situações sem dar nenhum spoiler, mas até o fato dos alunos serem estimulados a estarem sempre em contato com música e as artes em geral tem um propósito, em um ambiente em que a ciência está cada vez mais avançada, que o Incurável já não existe mais, a sensibilidade da arte TALVEZ seja o caminho que distingue o que possui alma do que é uma mera cópia; talvez a alma tenha sido o ponto de alivio de uma consciência pesada.

“É um momento gélido, esse, o da primeira vez em que você se vê através dos olhos de uma pessoa assim. É como passar diante de um espelho pelo qual passamos todos os dias de nossas vidas e de repente perceber que ele reflete outra coisa, uma coisa estranha e perturbadora.”

Todos os termos usados como "cuidador", "doador", "concluir a tarefa" são empregados de forma que suavize o que realmente está acontecendo; as peças que vamos juntando durante a narração me fez pensar: será que em escala menor já não reproduzimos comportamentos semelhantes?

Mesmo sem um ponto em que possamos identificar com o clímax, a história não deixa de ser boa, vamos chegando ao fim onde vai ficando claro que talvez não haja tanta esperança quanto gostaríamos e nos damos conta que mesmo com um enredo triste, bem triste, a jornada vale muito a pena.

Para quem ficou curioso com o livro vale a pena saber que ele já foi adaptado para o cinema como o mesmo título.

 Ósculos e Amplexos, Karina.

Livro: Não Me Abandone Jamais
Autor: Kazuo Ishiguro
Tradução: Beth Vieira
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 343




Karina, biomédica por formação e bookaholic por paixão!* Resenha escrita pela colaboradora Karina Carvalho especialmente para o Lendo e Escrevendo





2 comentários:

  1. Oi, Ká.
    Eu estou sempre pensando em ler mais livros clássicos, mas quando chega o final do ano, percebo que não li nenhum! É uma pena ter tão pouco tempo para ler e não poder dar conta de tudo o que queremos, né?!
    Beijos
    Camis - blog Leitora Compulsiva

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Te entendo real, cada vez que apareço no leitora compulsiva sai com a lista de quero ler maior rs, mas sabe o que me ajudou a incluir os clássicos? (escrevi a meta e coloquei uns quadradinhos do lado pra ticar, meu "TOC" ficava tao feliz de ver o quadradinho ticado rs que deu um gás nas leituras !

      Excluir


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